Algum Belo Lugar No Além


Nunca havia passado pela minha cabeça uma questão, tão banal quanto um paradigma, tão pragmática quanto uma estatística, de que as pessoas estão todas cheias.
Cheias. É algo observável desde a infância. Os pais estão cheios de contas. As pessoas passando, apressadas, estão cheias de compromissos. Os jovens sentados nas calçadas, se drogando das piores formas, estão cheios de incertezas.
Não dá pra dizer que somos vazios, pois isso implicaria que, potencialmente, teríamos algo para nos preencher. Não temos. Nada mais cabe dentro de nós.
Temos relacionamentos.
Temos compromissos.
Temos contas.
Temos incertezas.
Temos... Problemas.
As pessoas se esbarram, como formigas, que obedecem um sistema subliminar. Não é mistério que também o fazemos, mas de forma a fingir que gostamos disso.
Ah... Nós amamos.
As festas. As selfies, com luzes coloridas em qualidade estupenda.
Os presentes, os namoros, as fofocas, os ídolos.
Estamos repletos, fartos, transbordando pelos poros, pelos orifícios da face, de rotina. De dogmas. Tradições. Claro, precisamos relaxar. Precisamos nos entreter. Buscamos no próximo a insatisfação que nós cultivamos dentro de nós mesmos. Julgamento se trata disso.
Mas não se preocupe.
É normal.
Apontamos os fracassados, cujo fracasso é reflexo do nosso.
Apontamos os problemáticos, cujos problemas são advindos dos nossos. 
Apontamos os masoquistas, cujas imoralidades não são diferentes das nossas.
Porque transamos antes do casamento.
Porque amamos pornografia.
Porque louvamos o pay-per-view.
Nos drogamos. Todo mundo o faz, não adianta. Nos drogamos com música ruim. Com livros ruins. Programas de TV ruins. Séries ruins. Emoções prejudiciais.
Frutas.
Verduras.
Legumes.
Detox.
Não se trata de prejuízo. Se trata de consciência.
Pois se trata unicamente de opinião, não é? Claro, eu dito o que é bom para mim mesmo. E quem é você para me dizer que não sou eu que estou me controlando? Que não sou autônomo?
Bem, partindo desse pressuposto, qualquer coisa é uma droga. Mas quem disse que não é? Quem é bom o suficiente para ditar isso?
Claro, você sabe que isso não é verdade.
Você viu no Bem Estar.
Você viu no Fantástico.
Aquele youtuber bacana postou recentemente.
Afinal você procurou a vida inteira por alguém que pensasse como você; que tivesse opiniões ideológicas semelhantes às suas. É um prazer cotidiano, não se trata de argumentação ou de ideias, porque lutamos por isso, e aceitamos sem pensar duas vezes.
Se trata de acolhimento.
Amamos enfiar coisas em nossos corpos. Nem estou falando de dildos ou vibradores.
Supositórios. Pílulas.
Ideias.
Informação.
Nos injetamos até estarmos completamente drogados, carentes de algo real.
Jejuando de parecença.
Preenchendo-nos com verdade.
Claro que nos preenchemos. Nos subentendemos.
Estamos falando de lâminas. Projéteis. Veneno.
Coisas midiáticas, você sabe. Preciso estar bonito, e de que tipo de beleza estamos falando? A resposta, claro, está no vestido da Taylor Swift.
No novo corte de cabelo do Caio Castro.
No novo hit do verão.
Nos tecidos que não conseguem cobrir o corpo raquítico das modelos internacionais.
Sei o que o destino me reserva, pois está em meu horóscopo. Sei quem devo tratar bem. Sei quem devo tratar mal. Está tudo bem predestinado. A vida nunca foi tão fácil.
Isso por que ainda nem falei de religião.
Não, acho que falei sim.
Esse tempo todo estava falando de religião.
Procuramos todos, individualmente, algum belo lugar no Além.
Não, não se trata de procura. Se trata de reservas. De marcar horários.
De qualquer jeito, é assim que chegamos nessa conclusão.
Tão pragmática quanto estatística.
Tão banal quanto um paradigma.
Estamos fartos.
Estamos cheios de compromissos.
Estamos cheios de contas.
Estamos cheios de drogas no corpo.
Estamos cheios de incertezas.
Estamos cheios.
De vazio.




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