Lembre-se das Parede Laranja, das Plantas e das Coisas

Eu soube que tudo aquilo era sonho, quando me prostrei sentado olhando a rua, aberta por duas portas de vidro, ao lado de um balcão. O balcão, por sua vez, laranja.
Laranja, como tudo a sua volta: os banheiros, a secretaria, as salas de aula.

Me mantenho sentado olhando a rua, com minha mochila em meu colo. Sei que é um sonho, pois posso ver o livro de inglês ainda dentro dela.
Sei que é um sonho pois as pessoas olham para mim com olhos tortos, deformados, na verdade, nem sequer olham para mim. Parecem olhar para trás de mim. Enfim, são todas pessoas que eu conheço, professores, Tafany, Yvis, Bárbara.
Sei que é um sonho pois nada disso existe.
Eu abandonei todos. Parei com as aulas de inglês, minha sala só tinha mais duas pessoas. Eu permiti à solidão pairar sobre uma sala de apenas dois alunos de mais de dezoito anos. Por ser mais novo que todos eles, prometi que não decepcionaria.
Decepcionei. No sonho, não deixei de decepcionar, com todos olhando para (trás de) mim, com o corpo trêmulo, como se aos poucos fosse ser levado pelo vento.
As plantas colocadas na esquina de cada parede são apenas galhos. Não há folhas. Não há verdes. Plantas minimalistas, e sem graça. Sei que é um sonho pois agora elas são verdes e coloridas: baobás, pau-brasis, samambaias, plantas que nem consigo nomear.
E ninguém se importa, afinal. Aliás, nem eu me importo. Os olhares de todos que (não) pairam sobre mim, me deixam amedrontado, e logo consigo ler seus pensamentos:
Você nos abandonou
guri
você
nos abandonou
guri
desse jeito você não vai a roma
desse jeito você não vai chegar
guri
se atrasou de novo
Você nos abandonou
E então, olho novamente para a rua: a única coisa que tenho de concreto, e o desespero some. As pessoas voltam a andar, como figurantes. Nos meus fones de ouvido Janis Joplin goza.
Yvis senta-se ao meu lado. Seus olhos arregalados que não piscam. Seu sorriso de dentes pequenos, bochechas largas.
Bárbara senta-se ao meu outro lado, suas sardas cobrindo o rosto, seu corpo tão sexy e sedutor, me matando, estuprando minha líbido, minha tentação.
Eu abandonei tudo isso também.
Tafany tem namorado, mas se coloca na frente do balcão, que espreme seus peitos.
Tafany tem namorado.
Eu me levanto: quero abandonar todos novamente, mas as mãos fortes de Yvis me agarram, Bárbara pega sutilmente na minha mão, acariciando meus pulsos. Minha libido me assassina novamente, e ela se levanta, agarra minha cintura, posso sentir seus seios em minhas costas, suas mãos em minhas clavículas. Meus olhos, frenéticos, não querem olhar para os peitos de Tafany, mas ela se aproxima cada vez mais. Não consigo desligar o software.
Por fim, eu cedo a tentação. Paro de tentar sair (minha mochila jogada no chão parece fitar-me), e minhas costas são espremidas cada vez mais fortemente pelos peitos de Bárbara. Começo a adentrá-la, como se ela tivesse se tornado um poço de lama.
Bárbara não é nada mais que minha consciência.
Bárbara não é nada mais que meu despertador.
Acordo com a cueca molhada, e com as vozes ainda me entorpecendo.

Você nos abandonou.
Bom trabalho. 

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