Coincidências e Aberrações
É o mesmo caderno que escrevo poesias.
Também o caderno que escrevo mensagens.
Ah, sim, na verdade é uma agenda.
A mesma que escrevo poesias. A mesma que escrevo mensagens. A mesma que escrevo lembretes.
Qualquer coisa que eu penso, eu escrevo. Todo resultado. Todo pensamento. Toda rima.
Mas não é para ninguém ler. Nem você. Principalmente você.
Nessa agenda escrevo mensagens.
Todas para você.
Mas nenhuma quero que você leia.
Eu escrevo mensagens nessa agenda, para tornar físico todo pensamento meu.
Não é natural que você leia meus pensamentos, que me disseque assim.
A única vez que fez isso, te flagrei rindo com a agenda aberta em seu colo. Era alguma parte constrangedora de mim.
Meus testículos. Meus rins. Meu pênis.
Meu ânus.
É por isso que você riu.
Joguei a agenda no chão.
''Desculpa
Desculpa, cara.''
Você sabe que aquilo era pessoal e que não era para você ler, tampouco rir.
''Me desculpa''
Você enfiou a mão em minhas entranhas até encontrar essa parte constrangedora e engraçada.
Meu cu. Depois de tudo ele está arrombado.
Pego a agenda do chão. Sinto tua mão no meu ombro.
''Me desculpa''. E eu só faço que sim.
Folheio a agenda e encontro folhas amassadas. A folha que leu era logo a primeira.
Página 1 de 365, enumeradas de acordo com dias e meses do ano.
Onde escrevo mensagens.
Onde escrevo rimas.
Então, você tira a mão e vira a cabeça. Olhando o seu cabelo, sinto gosto de patê.
Sinto gosto de chocolate.
E olho suas coxas. Olho sua bunda.
É hora de ir.
Vamos embora ouvindo ruas risadas. Eu saio fazendo você rir. Esquecendo daquilo.
Sinto sabor de aspirina.
Chegando em casa, arranco a página 1 de Janeiro.
Arrancando a parte tão engraçada e constrangedora de mim.
Uma autopsia para retirar o tumor. Bem, era só o começo do ano, de qualquer maneira.
0 comentários:
Postar um comentário