Sapatilha


Os pés dela esmagam meu peito
com aquelas sapatilhas a beijar o chão
tão lindamente nesse sonho de deleito.
É que me encanta o que não impõe pressão.

Em um dia chuvoso
ela me apresentou seu grand plié
e me vi completamente absorto
de tal forma que
não havia mais nuvem escura a se ver.

Como você faz isso, afinal?
Ela se desprendeu daquele labirinto
que se formara em seu corpo
e sorriu... Sorriu, e eu até hoje sinto
aquele rubor em meu rosto.

Não tardou nem um pouco
e envolto por Tchaikovsky
me vi viajando em seu corpo
arremessado num jeté.
Eu não sei mais porquê.
Mas, você vai continuar preso.

Tão mais rápido e graciosamente
ela rodava. E eu, sedentário como sempre
não consegui acompanhar aqueles olhos de mulher
e, finalmente, me vi completamente en l'air.
Por que você está tão encantado?

Eu não sei... Foi muito esforço para aprender.
Foi realmente muito esforço para entender
que eu estava defasado
e me via completamente de lado
devido aquela característica paranoia
e eu descobri a moral da história.
Isso é demais para você aturar.

Isso é demais para qualquer um aguentar
e enquanto suas sapatilhas chutavam minha porta
aquelas nuvens voltaram a me atormentar
e ela não estava, não estava, não estava.
Não tem mais volta.

Novamente preso à terre
ela se cansou de me atender
semanas, meses a mercê
e eu não soube como dizer o R
como os franceses sabem dizer.

Foi quando aquele convite surgiu
por baixo da porta, entre a fumaça
com uma foto de seu corpo em fondu 
o que eu vi como uma ameaça
mas eu resolvi ir mesmo assim.

Eu assisti, encantado e viciado
assim como aquelas centenas de pessoas ao meu redor
e tão, mas tão distanciado
que eu vi aqueles frappés contra o ar
como dos males, o melhor.

Ela saiu daquele mar eterno das bailarinas
e nos encontramos na sombra das luzes do anfiteatro
e seus olhos eram os mesmos.

Mas os meus estavam vermelhos
e aquele me parecia, como sempre, o último ato
dentre tantas doses de rivotril e aspirina.

E aquela dança que fizemos, foi a mais bem coreografada e funesta já feita.

 Como você faz isso, afinal?
— Eu não sei... Foi muito esforço para aprender.
E por que você está tão encantado?
— É que me encanta o que não impõe pressão.
Eu não sei mais o porquê.
 Isso é demais para você aturar.
— Mas eu resolvi vir mesmo assim.
— Você vai continuar preso.
— Não tem mais volta.

Eu a vi sorrir novamente.
E era em momentos como aquele que ela me salvava.
Nunca fui tão liberto e seguro quanto naquele beijo entre nossos olhos
com meus sapatos tocando suas sapatilhas
in dehors.


Ballet Stagium



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