Ato final
Graças a sua falta de afeição, tudo parece irreal para ele, sem qualquer significância.
Com suas costas apoiadas na carteira, ele observa: a perna da mesa a sua frente é composta por dois tubos de aço, um na vertical, ligado a mesa, outro na horizontal, sustentando o primeiro, ficando sobre o chão.
É um tubo verde oxidado e está distorcido. A extremidade, mostrando o interior oco, se encurva para cima e debate-se de forma gelatinosa, como se desamparada. Seus contornos são fluidos e sua cor pastosa. Tudo derrete, afinal.
Na sua infância, quando Jack se dava conta da irrealidade, pensava que todos estavam brincando. Era irremediavelmente convicto de que todos a sua volta tinha um pacto silencioso entre si, um consentimento: estavam dispostos a representar. Como se todos aqueles adultos fossem atores, encenando a maior peça de suas vidas.
Através da visão infantil, achava o duplo sentido da palavra peça como uma das muitas confirmações disso, uma grande piada interna. Não sabia nem porque ou para que, mas todos encenavam. Ele era o único que haviam deixado de fora da encenação, e vivia dentro dessa peça como se fosse algo real.
As vezes, quando não conseguia dormir, levantava da cama no meio da noite e ia até o quarto dos pais. Achava que lá ia encontrar dois atores lendo um roteiro, retocando a maquiagem e conversando sobre coisas reais. Ao se deparar com seus pais dormindo na cama, achava que não fora silencioso o suficiente e os atores se prepararam a tempo. Por isso, ficava estático, disposto a vence-los pelo cansaço, imaginava que as pessoas eram incapazes de ficar paradas em silencio por tantas horas. Podia ver eles levantando-se de uma só vez, gritando um sonoro e cansado ''você venceu'', holofotes se acederiam, o quarto revelaria um enorme estúdio de tv, com paredes caindo, uma plateia riria e aplaudiria e enfim ele poderia viver na realidade Em algum momento aquilo teria que acabar, era uma brincadeira que começava a se saturar.
Parte dessa sensação incluía achar que tudo em sua volta era feito de papel machê. Os objetos pareciam falsos, sem profundidade ou uso, carecendo de sentido, uma representação sintética do que realmente eram. Quando corria na chuva com as outras crianças, esperava que tudo derretesse, transformando aquela realidade em um gigantesco amontado pegajoso e colorido. Depois, teriam que vir os objetos reais.
Quinze anos depois desses delírios infantis, Jack observa com suas pálpebras semi abertas, o aço se retorcer e debater-se. Mas, com o passar dos anos chegou a uma nova conclusão, oposta ao que havia pensado quando era criança.
Ele é o ator, feito completamente de papel machê e pronto para derreter inteiramente.
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