No Final das Contas, Não Passo de um Estorvo

Sorrow, Van Gogh

não olhe
vocês não viram 
que há um morto entre vocês 
e não ouviram, nem de perto
esse grito agonizado 

a negligência irá remover 
esses vestígios de preocupação 
a autopreservação não irá deixar 
vocês se importarem 
ou se prenderem 

nem a morte os fará refletir 
e a vida segue em círculos 

nem a morte, que seria tal escândalo 
fixará esse momento na história 
.não há ponto fixo no tempo. 

mesmo o sangue, que durante dias 
brilhará em seu tom escarlate 
e pouco a pouco se juntará ao ciclo indiferente de todas as coisas 
e o mesmo acontecerá com qualquer um 

os olhos cansados 
as costas machucadas 
as lágrimas presas 
torturadas pela incerteza 
de um futuro qualquer 
e isso se repete 
dentro de qualquer um. 

nenhum brilho ou profunda escuridão 
nota-se perante essa inconsciente indiferença universal 
afogar-se não é difícil 
nesse retrospecto contínuo de pessoas. e mais pessoas. 

totalmente cêntricas... imprestáveis 
tão condenadas em suas misérias 
que deveriam agradecer pelo ódio que sinto por elas 
e pelo pouco de fé que nelas ainda mantenho. 

me vejo, daqui há alguns anos
feliz e calmo, como se estivesse morto
derrotado, como se estivesse vivo
e estaria de fato vivo, se ainda tivesse desejos
motivações e realizações.

talvez isso tudo aqui ofenda
mas não se preocupe
esse é apenas mais um silvo 
um teimar, um dique de ideias sobrepostas 
a tênue intersecção entre o narcisismo 
e a esperança de dias melhores 
mais um entre dezenas de outros silvos idênticos a esse 
mais uma ignorância entre muitas outras vividas 
um grito de nada
não, desculpe
um grito de liberdade
num mar de olhares censurados.
não olhe.

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